domingo, 17 de julho de 2011

OLHANDO REVERÓN (VENEZUELA, 1889–1954): O processo criativo, a dupla articulação e a imagem especular


Jorge Cabrera
Mestre em Artes
Escola de Belas Artes. UFMG. Brasil















Figura 4. Cinco figuras. 1939. Pintura à água e óleo/ tela. 162,8x227,5 cm. Galería de Arte Nacional, Venezuela.



Resumo. A obra artística de Armando Reverón, no trópico venezuelano, realizada apartir de 1939 apresenta procedimentos criativos que chamaremos de dupla articulação e imagem especular. Este primeiro recurso é similar ao utilizado por Nicolas Poussin, só que Reverón confeccionava bonecas de pano e simulacros de objeto, inclusive possava para ele mesmo imitando outros personagens. Os objetos simulacros, hoje, adquiriram valores artísticos não reconhecidos pelo artista na sua época.

Palavras chave: dupla articulação, efeito colagem, arranjos, imagem especular.

Introdução

Armando Reverón é um artista venezuelano nascido em Caracas em 1889 e falecido na mesma cidade em 1954. O cojunto de sua obra tem sido estudado como precursora do Modernismo latinoamericano e seu trabalho adquiriu mais um degrau de importância internacional com a exposição individual de suas telas, organizada em 2007 pelo MoMA de Nova York. Contudo, podemos afirmar que “as abordagens especializadas em algum tema em particular [da obra de Reverón] continuam sendo escassas” (Huizi, 2005, p.46).
Nesta reflexão pretendemos olhar três aspetos da obra artística de Armando Reverón: o processo criativo, a dupla articulação e a imagem especular. Para atingir este objetivo utilizaremos como referência os conceitos utilizados por Claude Lévi-Strauss na análise da obra de Nicolas Poussin e de outros artistas que utilizaram o efeito colagem em suas composições artísticas.
Reverón possuia um processo criativo particular: o conjunto de suas telas revela a utilização de bonecas de pano e simulacros de objetos como modelos. Assim, Reverón construia primeiro quadros vivos antes de serem transformados em obras bidimensionais. Outro conjunto particular de seu trabalho revela que além de incorporar as bonecas de panos como personagens, o artista se autorretratava imitando outros personagens, utilizando sua imagem refletida no espelho. Observados estes procedimentos valorizamos a existência de três produções artísticas no conjunto reveroniano: os objetos simulacros e as bonecas de pano como esculturas moles, os arranjos artísticos ou instalações e as telas como tal.

A dupla articulação e a imagem especular

A dupla articulação é um conceito utilizado por Claude Lévi-Strauss para se referir ao efeito imagético utilizado por Katsushika Hokusai, Nicolas Poussin e Georges Seurat na suas telas e de Proust na Literatura. Este conceito é transferido da linguística para as artes plásticas como uma técnica de colagens e montagens. Isto significa que existem unidades de primeira ordem que representam uma obra de por si e que combinadas e dispostas de outra forma produzem uma obra de um nível ainda mais elevado (Lévi-Strauss, 1997). Em outras palavras, unidades imagéticas justapostas dão como resultado um conjunto que, por sua vez, pode dar resultado a outros conjuntos dependendo de suas possíveis combinações. No livro deste mesmo autor, O pensamento selvagem, Lévi-Strauss chama de bricolage a um tipo de pensamento, de narrativas míticas, que são resultado da junção de imagens pré-fabricadas.
Na obra de Georges Seurat, a Grande Jatte, observamos um conjunto de personagens imóveis que, apesar de estarem num local público, cada uma parece muda e inerte, sem nenhum tipo de articulação entre elas. O conjunto é resultado de uma justaposição de figuras que poderiam sair ou entrar no conjunto sem grandes conseqüências. Segundo Lévi-Strauss, o procedimento de construção desta obra, a Grande Jatte, é comparável com a forma como Hokusai compôs as Cem vistas do monte Fuji. Em Hokusai, a dupla articulação é o resultado de uma colagem ou junção de fragmentos de esboços com uma aparente falta de unidade no conjunto, devido às diferenças de escala entre os elementos. Esse procedimento de Hokusai é relacionado com aquilo que Proust realizava nas suas composições literárias:
(...) como Proust com seus papeizinhos, ele [Hokusai] reutilizou, justapondo-os, detalhes, fragmentos de paisagem provavelmente desenhados in loco, anotados em seus carnês, e posteriormente transferidos para a composição sem levar em conta as diferenças de escala (Lévi-Strauss, 1997, p.12).
Esses resultados colagem presentes na obra de Seurat e Hokusai, estão presentes também na obra de Nicolas Poussin, o que nos lembra Delacroix se referindo às obras de Poussin: “[existe] uma secura extrema [das] figuras sem ligação umas com as outras e [que] parecem recortadas” (Lévi-Strauss, 1997, p.12). Só que em Poussin, assegura Lévi-Strauss, a dupla articulação é tratada de maneira diferente. Por exemplo, se observarmos a obra Vénus montrant ses armes à Enée a deusa, que flutua no centro, parece ter sido concebida fora e depois transferida para a tela, como se estivesse costurada, enquanto que a figura do personagem Enée parece petrificada ou mineralizada. Observando na mesma obra as figuras femininas deitadas, notamos uma diferença de escala em relação aos outros personagens do conjunto. Em Hokusai e Proust este resultado é conseqüência da junção de esboços que constrõem o conjunto da obra. E em Poussin, como ele chega a esse resultado?
Sabe-se que Poussin gostava de preparar maquetes e modelar as figuras em cera antes de iniciar a pintura. Vestia os bonecos de cera com papel úmido ou tafetá fino e marcava as dobras dos tecidos com um pequeno bastão pontudo para posteriormente passar a cena para a tela, afirma Lévi-Strauss (1997, p.13). A luz e a sombra da composição tridimensional eram controladas com a inserção de pequenos furos numa caixa que continha a maquete. Poussim também deslocava de um lado para outro os bonecos até definir a composição final. O conjunto da obra deste artista apresenta as maquetes como obra tridimensional, por trás da obra pictórica. Afirma-se ‘por trás’ pela visão da arte na época de Poussin, mas que sem dúvida, numa perspectiva contemporânea, as telas em relação às maquetes seriam obras com um mesmo grau de importância.
Este procedimento criativo de dupla articulação em Poussin, representado pela criação de maquetes e bonecos de cera que posteriormente seriam representados na tela, pode ser relacionado com o procedimento utilizado por Armando Reverón no trópico venezuelano.
Uma vez instalado em El Castillete, sua moradia e atelier, Reverón constrói um ambiente propício para o que seria sua obra de maior maturidade artística. Nesse espaço de convívio artístico criaria também as bonecas de pano e os objetos que habitariam suas obras:
Junto com Reverón e Juanita, as grandes donas e anfitriãs do lar eram as bonecas, de imponente tamanho de mulher humana. Serafina, Graciela, Alicia, Niza. Terríveis e hieráticas, de antecipada modernidade dentro da plástica venezuelana, as bonecas exibem uma difícil e enaltecida beleza em sua fenomênica fealdade (Huizi, 2001, p.p. 55- 83).
Reverón confeccionava as bonecas costurando panos e criando os recheios com papel jornal. Sobre a superfície de pano pintava as partes íntimas e modelava os detalhes do rosto. Quando observamos o produto final, é inegável o sentimento que despertam estes seres: uma mistura de temor e respeito ao mesmo tempo. São criaturas particulares, cheias de mistério e erotismo (figura.1). Observando os detalhes de suas partes mais íntimas não podemos evitar lembrarmo-nos da famosa obra de Gustave Courbet, A origem do mundo (1866).
O processo criativo de Armando Reverón passa pela dupla articulação se comparado a Poussin. Em primeiro lugar, o artista monta os quadros vivos ou instalações com as bonecas de pano e outros objetos simulacros. Para mantê-las em pé, Reverón pendurava as bonecas do teto com arames ou similar (figuras 2 e 3). Temos assim uma obra com três produtos artísticos acabados: as bonecas como esculturas moles, as instalações e as telas, o que ilustraria um paralelo e uma articulação ao mesmo tempo entre diferentes produções artísticas, percorrendo nove anos de trabalho, entre 1939 e 1948 aproximadamente. Dos produtos confeccionados por Reverón, apenas as telas pussiam valor artístico para ele, pois eram as únicas que expunha e comercializava na época (Elderfield, 2007).
Para Reverón não era suficiente com incorporar as bonecas de pano e os objetos na suas telas. Ele fez várias obras utilizando a sua imagem refletida no espelho. Através deste objeto conseguia se incorporar como um sujeito a mais entre os personagens da obra, como em Cinco figuras (1939) (figura 4). Nesta tela o artista se localiza detrás das bonecas do primeiro plano, à direita, sem olhar o espectador e como se estivesse executando aquela mesma composição na frente de um espelho. Observamos também as figuras femeninas detrás como suspensas de um fio.

Conclusão:

Em Reverón podemos afirmar que o efeito colagem ou de dupla articulação manifesta-se no inicio do processo criativo, representado pela montagem das instalações e sua transfência, posterior, para as telas. Observamos assim o mesmo conceito, como procedimentos artístico, com diferente resultado plástico quando comparado com as obras citadas de Seurat, Hokusai e Poussin.
O conceito de dupla articulação na obra de Armando Reverón o aproxima às escolas européias que utilizaram este procedimento já em des-uso na época de Nicolas Poussin. A imagem especular, por suas vez, é característica da obra Las Menimas (1656) de Diego Velásquez. Em Reverón, este funciona como auto-retratos em primeira ou segunda pessoa. Quando feitos em segunda pessoa é possível que o artista imitasse outros personagens misturados com as bonecas, sendo que a imitação de personagens definiu em vida sua afição pelo teatro e as encenações que Reverón improvisava para aqueles que o visitavam em El Castillete.
Por último, em relação aos objetos confeccionados pelo artista asseguramos que para ele representavam, aparentemente, simulacros que atendiam seu procedimento artístico, além de moradores de seu universo criativo. Podemos, a diferença de Reverón, dar para seus objetos um valor artístico ou simplesmente seriam objetos autorais?

Referências

Armando Reverón: el lugar de los objetos [Cat. Exp.] (2001). Fundación Galería de Arte Nacional, Caracas. S/ISBN.
Están allí. Fotografias de Luis Brito. [Cat.Exp.] (2005). Galeria Spazio Zero. Ex Libris: Caracas. S/ISBN.
Elderfield, John. Armando Reverón, [Cat. Exp.] (2007). The Museum of Modern Art, Nueva York. Nueva York. ISBN: 978-0-87070-746-9.
Lévi-Strauss, Claude (1997). Olhar, escutar, ler. Tradução Beatriz Perrone-Moisés. São Paulo: Companhia das Letras. ISBN: 85-7164-6331-7.
Palenzuela, Juan Carlos (2007). Reverón la mirada lúcida. Caracas: Banco de Venezuela. ISBN: 980- 12-2416-9.

domingo, 16 de janeiro de 2011

Grabados de Carora a "Brasil todos los mundo"










Saliendo de Caracas rumbo a Belo Horizonte no pude dejar de sentir una especie de vacío. Es como decía un amigo mío "dejar París es como morir un poco". En mi caso, claro, me pasa lo mismo, sólo que con Venezuela y con todo lo que uno va dejando para atrás. En todo ese percurso realizado, fueron muchas las imágenes perforadas que me encontré en el camino y que me empañaron la visión de otros tiempos. Así, vinieron a mi memoria estos grabados que me parecen significativos si los relacionaramos con todo aquello que veía, pues en esto reside la fuerza de la imagen: ella nunca acaba de dejar de decir; la imagem nunca se agota en su discurso. La serie de grabados "Brasil todos los mundos" fue realizada a lo largo del tiempo que he permanecido en este país. Las imágenes de ésta no dejan de parecerse a todo esto que me ha envuelto en este viaje y que no dejo de compartir junto con estas líneas: multitudes, ciudades olvidadas e imágenes perforadas por el olvido.

Nota: Grabados impresos a mano con cuchara de palo. Títulos en el orden: Tirando; Na direção rumo a outros mundos ; Puxando. Assim vamos; Nuvens de prosperidade; Amazonia total ou parcial?